O Rio Mondego – Parte III

serrana1Também a deslocação, na época balnear, de veraneantes que de Coimbra se deslocavam a banhos até à praia da Claridade, era feita, ainda no século XIX, por este rio. Através da “carreira” entre Santo Varão e a Figueira, os banhistas faziam o percurso de Coimbra até aqui, de comboio, e daqui seguiam de barco até à Figueira. Em 1867 foram estabelecidas carreiras diárias de barcos entre a Figueira e Santo Varão, partindo da Figueira às 6 horas da manhã e regressando às 4 horas da tarde, as quais conduziam não só passageiros como bagagens e toda a qualidade de mercadorias.

Em 1869 é estabelecida uma nova carreira composta de três barcos “perfeitamente apparelhados e com todas as commodidades”, sendo permitido a cada passageiro o transporte de 30 Kilos de bagagens e havendo excesso seria este “ajustado particularmente com o arraes do barco que fizer a dita carreira e só se recebe a importância dos transportes no acto do desembarque”. Os contactos deveriam ser feitos na Figueira com José d’ Avim Nunes, ao caes, e em Santo Varão “na hospedaria”, com Augusto José de Barros, encarregado do despacho de todas as bagagens. Os horários de partida variavam entre as 7 horas da manhã, na Figueira, e as 3 horas da tarde, em Santo Varão. Por sua vez o preço praticado entre Figueira e Montemor era de 200 réis, entre Figueira e Santo Varão de 300 e entre Santo Varão e Montemor de 100.
O serviço praticado por esta nova carreira seria de qualidade satisfatória não só ”pela comodidade e velocidade” dos barcos como pela pontualidade e delicadeza com que os passageiros eram tratados.
A prová-lo, um comunicado ao redactor do “Conimbricence” por parte de um passageiro e onde se pode ler:
“… O sr Avim, chefe da empreza de navegação entre Santo Varão e a Figueira tem aqquele serviço montado e regularisado por tal modo, que os viajantes nada têm a desejar de bom tracto, bom serviço e pontualidade nas horas de partida ou de chegada a qualquer dos pontos, para com todas as vantagens, e maior segurança poderem andar com ordem dos seus arranjos e accomodação na Figueira, ou de seguirem jornada tomando logares no comboio às horas competentes, ou outros quaesquer transportes.
Recommendar pois a preferencia dos barcos do Sr Avim commodos, seguros, velozes e optimamente servidos por uma tripulação escolhida, diligente e bem conhecedora do rumo das águas, nesta estação escaça d’ellas é além de um dever, um bom serviço a todos aquelles que tenham de procurar transporte da Figueira para cima, ou de Santo Varão para baixo…
O problema que esta navegação poderia colocar advinha do facto de estiagens prolongadas, que impediriam as famílias de fazerem a viagem para a Figueira pelo rio. A solução encontrada seria a viagem, a partir da estação de Formoselha, em diligência. Foi o recurso a que deitou mão o Grande Hotel Foz do Mondego ao informar os seus potenciais clientes que “na estação de Formoselha encontrarão os hóspedes as diligências promptas para se dirigirem ao Grande Hotel”.
A firma de Albano Custódio possuía um desses serviços, saindo a diligência da Figueira da Foz às 6 horas e trinta minutos da manhã e de Santo Varão de tarde, logo depois da chegada do comboio do sul. O serviço entre Santo Varão e Montemor era feito em barco, “em quanto os trens não podem atravessar”. O serviço entre Figueira e Montemor era feito em hora e meia, oscilando o preço entre 500 e 600 réis, podendo, cada passageiro, levar grátis 15 kg de bagagem, pagando por excedente 20 réis por Kg. Provavelmente para descanso da fadiga da viagem, tinham os passageiros meia hora de descanso em Montemor.

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O progresso rodoviário ainda que mais dispendioso, iria, a partir da década de 70, contribuir para o declínio do transporte fluvial de passageiros. Indício deste facto foi a concessão à Câmara de Montemor-o-Velho de um subsídio de 1.237$000 réis para a construção do lanço de estrada entre Pereira e Formoselha e de 1071$590 réis para o lanço entre Formoselha e a ponte da Granja do Ulmeiro, em 1876.
Não obstante, algumas famílias preferiam este meio de transporte por ser mais económico e agradável aos sentidos, embora mais moroso do que as diligências que diariamente passaram a fazer o percurso entre Coimbra e Figueira e vice-versa, as quais diga-se em abono da verdade, não ofereciam grande segurança. O estado dos veículos não era inspeccionado, além do que o número de animais que os puxavam era insuficiente. Nas diligências entre Coimbra e Figueira chegava-se a admitir 20 passageiros, saindo 12 ou 13 de Coimbra e recebendo pelo caminho as pessoas que apareciam, facto que se deve à avidez do lucro, até porque os preços eram exagerados. Os veículos não eram construídos para tanta gente e respectiva bagagem, pelo que os eixos e molas não suportavam tão grandes pesos. Por consequência o número de animais, 2 ou 3 por veículo, tornava-se insuficiente, sendo o ideal duas ou três parelhas, o que logicamente ainda encareceria mais as viagens. Além disso, só existia uma estação de muda para os carros, sendo que a maior parte das vezes se fazia de uma só corrida uma carreira de 50km.
Por vezes chegava-se ao insólito de passageiros sentados no tejadilho, ao mesmo tempo que os condutores, por excesso de bebida, durante a jornada se tornavam inábeis para dirigirem as diligências, dando, por isso mesmo, lugar a sinistros.
Dadas todas estas condicionantes, continuavam a chegar à Figueira, na época balnear, para além das diligências, pela via fluvial muitos barcos com famílias que, realizavam por esta forma, a tradicional viagem à Figueira.
O trajecto entre a estação de caminho de ferro e o porto de embarque, a tradicional doca, era feito por carros puxados a bois, já que o terreno não permitia o emprego de cavalgaduras. Por sua vez o embarque de passageiros estava condicionado pela afluência de água no rio Mondego.
Em finais do século XX esta navegação entra em acentuado declínio. O assoreamento progressivo, sobretudo de Coimbra à foz, dificultou-a bastante, sobretudo no estio, por o nível das águas descer bastante. Por outro lado as cheias invernais cobriam por completo os sirgadouros, ao mesmo tempo que a velocidade da corrente não podia vencer-se à vara, sem o auxílio do vento.
Segundo notícias veiculadas pela imprensa regional, em 1882 o Mondego não podia já conduzir senão famílias de pouco mais acima de Montemor, tal a escassez de água que apresentava.
A última barca serrana a navegar no Mondego com destino à Figueira da Foz, fê-lo em 1965, para daí seguir, a bordo de um petroleiro, para o Museu da Marinha.
Toda esta movimentação traria, certamente, um colorido e agitação a uma pacata aldeia, que se foram perdendo com o tempo e a modernização da rede viária, mas que permanecem na memória dos mais idosos, que com grande nostalgia ainda hoje recordam. (Fátima Baptista, 2015)

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